sexta-feira, 8 de maio de 2015

Carta que nunca te enviei


G.,
Com tanta gente a quem pertencer, tinha de te pertencer a ti, que não te pertenço e que não me pertences.
Levo comigo um bocadinho de ti, onde quer que vá. A nossa fotografia (lembras-te?) está sempre comigo, levo-a para todo o lado, para poder olhá-la sempre que sinto a tua falta. Quase te consigo tocar, quase consigo sentir o teu cheiro, quase consigo passar a mão no teu cabelo (sabes como adoro). A nossa música (tu sabes) segue-me para todo o lado. Se eu largar, eu sinto a sua falta; se eu agarro, ela perde a cor. Foi sempre isto que nos definiu, não foi?
Nunca te entendi completamente. Creio que criaturas selvagens não são para serem entendidas, mas admiradas. E eu, claramente, te admiro. Desde o início. Desde os meus doces 16 anos.
Tenho saudades das nossas noites. Das noites em que nos deitávamos aconchegados um no outro e não nos largávamos nem a dormir. Das noites em que eu podia pousar a minha cabeça no teu peito e tu dizias “Vês? Não estás melhor assim? É a melhor almofada”. E era, G., e era. Das noites em que nos ríamos e cantávamos as músicas dos desenhos animados da nossa infância. Das noites em que víamos filmes. Das noites em que me dizias que parecíamos um casal junto há 20 anos. E parecíamos, G., e parecíamos. Parecíamos um casal que está junto há 20 anos, mas com a sua paixão de lua de mel intacta, de tão íntimos que éramos.
Custa-me rever as nossas memórias na minha mente. Custa-me porque tínhamos tudo para dar. Mas não demos nada. E eu pensei que te podia ter.
Sempre me perguntei, e sempre me perguntarei, o porquê. Porque é que não tentámos mais? Porque é que não o permitiste? O que é que me falta? Porque é que não sou suficiente para ti? Porque tu sempre me chegaste e sempre me foste suficiente.
Não há respostas. Não mas deste na nossa última conversa. Se calhar, também não as tens. Então, assim, diz-me: como? Como esqueço uma pessoa que nunca tive, que nunca pude ter? Como esqueço algo que acabou mas que nunca começou? Como esqueço algo que podia ter nascido, mas que foi cortado pela raiz como se de uma erva daninha se tratasse? Como esqueço alguém e algo que não tentei e que não sei porque acabou antes de começar?
Vou recordar, para sempre, as tuas palavras. “A vida é feita de ciclos e os ciclos tendem a repetir-se”.
Talvez um dia o ciclo se repita e comece a girar ao contrário. Talvez um dia o que acabou entre nós comece sem acabar de novo. Porque pior que um “e não viveram felizes para sempre” é um ponto final onde devia estar uma vírgula.


M.

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